Seguindo nossa série de entrevistas, hoje iremos portas a entrevista que fizemos ano passado com Zuenir Ventura. Na ocasião o escritor e jornalista veio à Belém para a Feira Pan Amazônica do Livro, onde participou de um encontro literário com o também escritor e jornalista Luís Fernando Veríssimo.
Zuenir Ventura é o profissional que faz com que o jornalismo se encha de orgulho e ele ainda diz que não gosta de escrever. Com mais de meio século dedicado à profissão, Ventura é o exemplo que todos nós devíamos seguir, não apenas na questão da apuração e contextualização do texto, que em muito se aproxima da estética do Novo Jornalismo, mas da ética e respeito com o trabalho.
Boa parte da carreira de Zuenir é ralatada no livro “Minha História dos Outros”, de 2005. Nesse livro, Zuenir narra o bastidores de grandes acontecimentos, como a morte de Vladmir Herzog, a cobertura do assassinato de Chico Mendes e a amizade com o cineasta Glauber Rocha.
Falando em livros, como escritor Zuenir também se saiu muito bem. Quem nunca ouviu falar em “1968 – O Ano que não terminou”? O livro que, até hoje, é referência para o estudo e compreensão da ditadura. Em suas palestras Zuenir sempre diz que não esperava o sucesso desse livro, que possui mais de 50 edições e que o fez só pra agradar sua mulher. Contudo, Zuenir acabou agradando várias gerações e ainda agrada até hoje.
Além de “1968 – O Ano que não terminou”, Zuenir é autor de Cidade Partida, que é o resultado de 9 meses que o jornalista passou na favela carioca de Vigário Geral, com o livro Zuenir ganhou o prêmio Jaburi de Literatura; Inveja o Mal Secreto (1998), onde Zuenir fala do pecado mais obscuro dos 7 e entrelaça histórias de inveja e invejosos com um momento difícil: a descoberta e cura de um câncer na bexiga; Chico Mendes Crime e Castigo (2003), que é uma compilação de reportagens sobre a morte de Chico Mendes para o Jornal do Brasil. A primeira série de reportagem “O Acre de Chico Mendes”, de 1989, foi premiada com o Prêmio Esso de Jornalismo e Vladmir Herzog de reportagem. Após essa primeira série, Zuenir voltou ao Acre em 1990 para o julgamento dos acusados pela morte de Chico e quinze anos depois, em 2003, para fechar o livro e mostrar ao Brasil o legado deixado por Chico Mendes no Acre; Minha História dos Outros (2005) traz a experiência de Zuenir em primeira pessoa e narra as peculiaridades das principais reportagens; ” 1968- O que fizemos de nós” faz um balanço após os 20 anos de 1968 e resgata as heranças deixadas por essa década e a visão de personalidades da época de 1960 sobre tal; Conversa sobre o Tempo (2010) é um livro em formato de Big Brotther. Durente três dias Zuenir Ventura conversou com Luís Fernando Veríssimo sob a mediação de Arthur Dapieve sobre assuntos como amos, política, morte e família. O diálogo é transcrito no livro.
Nunca imaginei que entrevistaria Zuenir Ventura, aquele jornalista que eu queria ser quando crescer. Mas isso aconteceu, e duas vezes. A primeira eu era estagiária da TV Unama e estávamos fazendo a cobertura da Feira Pan Amazônica do livro de 2009, onde o Zuenir era uma das atrações. Quando vi Zuenir fiquei tão nervosa e ele foi tão gentil e simpático como um pai que encoraja um filho, e no final ainda disse que fui bem, mas acho que eu fui uma foca bem atrapalhada, mesmo porque nunca gostei muito de mostrar minha figura na TV. A segunda, que aconteceu graças a cara de pau da Camila Barros e vocês irão saber no próximo post contada por ela mesmo, foi ano passado e bem mais tranquila. Estávamos eu (Lorena), Camila e Ana Carolina Eulálio, no saguão do Hotel Hilton sob o olhar de curiosos que deviam pensar “O que esse velhinho faz com essas três meninas?”. Foram mais de duas horas de papo, e Zuenir antes de ser entrevistado nos entrevistou. A conversa só acabou quando a mulher dele, Mary, disse que ele deveria se arrumar para ir a um show. Com certeza, nós nunca iremos esquecer dessa tarde.
Hoje, o Colherada Literária irá disponibilizar a primeira parte dessa entrevista. Logo mais colocaremos a segunda parte e as impressões de Camila Barros sobre o nosso encontro com Zuenir. As fotos foram gentilmente feitas por nossa amiga, colaboradora Ana Carolina Eulálio.
Colherada Literária: Pra onde você escreve no momento?
Zuenir Ventura: Pro globo só. Duas vezes por semana: uma crônica quarta e outra sábado.
C.L: E ainda é professor?
Z.V: Não. Eu gosto muito de dar aula. Mas, acho que substituo essa atividade viajando fazendo palestras. Eu viajo muito, e é uma forma de suprir essa coisa do magistério que eu sempre gostei muito.
C.L: Quais as disciplinas você ministrava?
Z.V: Eu dava técnica de redação, que ensinava a redigir. Quando eu dei aula na faculdade, a gente dava muita teoria, como Focoalt, Lakan, e escrever, na verdade, para o jornal, não era uma cadeira, uma disciplina. Eu trabalhei muito com técnica de redação, ensinar realmente a escrever. Coisa muito simples: mandava escrever, reescrever, pegava uma notícia no jornal e mandava resumir em dez linhas. Durante quarenta anos eu lecionei. Dei também jornalismo comparado… É boa a escola de jornalismo aqui?
C.L: Você tem algum ritual para escrever seus textos?
Z.V: Eu sou muito desorganizado e isso me angustiava muito. Mas depois vi que é um pouco da natureza da gente. Então, eu não tenho uma disciplina muito grande, um ritual. Ah! Na verdade, eu tenho um ritual, que é acordar cedo todo dia e andar pelo calçadão de Ipanema.
Aí leio os jornais e começo a escrever, começo a trabalhar o dia inteiro. Eu tenho um escritório muito gostoso, onde passo a maior parte do tempo ali. Às vezes leio o jornal antes de andar. Às vezes ando às 6 da manhã, às 10 da manhã… A minha ordem é a desordem, e dá certo, e a essa altura não vou mudar. Adoro andar, faço isso todo dia.
C.L: E como jornalista, se fazer compreender é realmente o mais difícil?
Z.V: “Escrever é cortar palavras” – Eu falo muito isso, que é uma frase que eu não sei se é do Graciliano Ramos ou do Carlos Drumonnd de Andrade. Eu acho que é muito difícil você ser fácil. Isso custa um esforço. Eu acho que é uma busca e eu ganho pra ter trabalho e não pra dar trabalho ao leitor. Acho que a gente tem que ter todo um esforço de se fazer entender. Essa é uma das tarefas do jornalista: ser claro.
É uma das diferenças do jornalista para o romancista, por exemplo. O romancista não precisa ser, digamos, necessariamente claro. Ele pode ter mistérios, enigmas, um texto que você não entenda direito. Agora, o jornalista não. Ele tem que ser claro, objetivo, direto… E isso tem um custo. Isso aí é uma busca. Tem gente que nasce com o dom de escrever fácil e rápido. Eu acho que para ser bem entendido, escrever fácil, você tem que ter trabalho.
C.L: E enquanto os meios de comunicação? Você sempre trabalhou só no impresso?
Z.V: Olha, engraçado! Quase todos foram no impresso. Televisão, eu sou péssimo. Não gosto de televisão. Já fiz algumas incursões no cinema, como roteirista, entrevistador… Participei de alguns documentários, o ultimo deles foi sobre Paulinho da Viola, “O tempo e hoje”. Mas fiquei quase sempre no impresso, gosto muito do impresso. Tenho maior respeito pelo rádio. Acho o rádio uma mídia muito forte no Brasil. A unica que está sempre presente e você pode fazer qualquer coisa enquanto está ouvindo rádio. Os outros veículos, como a televisão, exigem uma atenção especial.
A dispersão é muito fácil. Você está ouvindo rádio e outra coisa. Mas acho que depende da vocação, do gosto de cada um. As pessoas esnobam um pouco o rádio. Geralmente querem a televisão ou o impresso e não se lembram que o rádio é um veículo fantástico.
C.L: E Assessoria de Imprensa? Qual sua opinião sobre esse segmento?
Z.V: De maneira geral é a assessoria que segura a barra das pessoas. Mas, a melhor coisa do jornalismo é a reportagem. Eu adoro a reportagem. Acho um grande barato. No meu tempo de redação a gente desprezava a assessoria. Depois no Rio, alguns bons jornalistas que eu conheço, como ex-alunos meus, passaram a ter assessoria, trabalhar em assessoria e fazem um excelente trabalho. Mas a gente tende a esnobar um pouco a assessoria.
C.L: Há quem diga que jornalistas, atualmente, são caçadores de aspas. De que forma a gente pode fugir disso? E, nesse com texto, como você ver o uso da internet?
Z.V: O Google é uma ferramenta muito importante pra gente. Mas, para começo de conversa, ou seja, pra começar uma matéria e não pra terminar. Cito sempre o caso de uma amiga minha atriz que fala ‘o repórter chega hoje comigo com a matéria pronta, vai no google pega toda minha história, vem pega uma aspa e aí ta feita a matéria’. Não é pra isso.
Então tem uns vícios que a tecnologia trouxe: por exemplo, muito repórter chega hoje pra mim, estudante, quer fazer entrevista por e-mail e aí eu descobri, através de um colega meu, que disse “sabe por quê? Pelo seguinte. Pelo e-mail ele não tem trabalho nenhum. Você responde por e-mail e a entrevista ta pronta. E eu comecei a falar “não. Por e-mail, não dou, não! Tem que ser por telefone porque grava e dá um certo trabalho.
As novas tecnologia foram feitas pra ajudar, e não pra substituir. Nada como você olhar no olho, como a gente ta olhando aqui. Às vezes, um gesto revela mais do que uma resposta. Uma indecisão, uma coisa do entrevistado, às vezes revela mais do que aquilo que ele está respondendo. Então, é essa a minha advertência em relação à tecnologia da comunicação. Gravador, internet… Tudo isso são ferramentas de ajuda, mas não são pra substituir o repórter.
C.L: E qual sua relação com a internet? Você entra na internet frequentemente?
Z.V: Eu entro na internet, claro que entro. Eu não me dou muito bem com a internet. Até já fui morto em um boato de internet… Claro que eu acho que a internet veio pra ficar, mas eu não sou deslumbrado pela internet, não tenho twitter, por exemplo, mas considero importante a internet. Toda a revolução tecnológica tem perdas e danos e com a internet não é diferente. O problema da internet é que as pessoas acreditam em tudo no que lêem, e é preciso ter cuidado com isso.
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