Entrevista – João Carlos Pereira

Publicado: junho 3, 2011 em Entrevistas, Jornalismo Literário, Jornalistas
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No ano passado eu (Lorena) e a Camila Barros iniciamos um projeto de pré-projeto de TCC, requisito da disciplina Técnica de Pesquisa em Comunicação, sobre análise das reportagens de Zuenir Ventura sobre a morte de Chico Mendes.

O Prof. Dr. Relivaldo Oliveira ordenou que fizéssemos uma entrevista sobre o tema. Aí começou nosso drama. [trilha sonora triste] A indicação do Prof. Relivaldo era o também professor Marcelo Vieira (que foi nosso professor de Jornalismo Impresso no terceiro e quarto semestre), mas o professor Marcelo estava no Rio de Janeiro… Mandei um e-mail e ele disse que responderia as perguntas, mas os dias se passaram e só o que a gente ouvia (ou não lia) era CRI CRI CRI. Nada das respostas. [trilha sonora triste de novo]

Na véspera da entrega da entrevista, pedimos uma indicação para o Professor Thiago Barros, por ele ser editor de jornal e ministrar a disciplina Jornalismo Especializado, achamos que ele poderia nos ajudar ou até mesmo responder as perguntas pra salvar nossa pele.

Mas, o Prof. Thiago  nos deu o telefone de  João Carlos Pereira. Eram quase 22h, mas mesmo assim o desespero fez a Camila ligar para o ilustre desconhecido [ainda bem que o número dele era TIM]. E nossa vida mudou [trilha sonora empolgante], João Carlos foi muito gentil e respondeu nossas perguntas prontamente, o que nos ajudou a passar na disciplina que estávamos mais do que penduradas. [agora toca We’re The Champions]

Segue a entrevista e o perfil do nosso entrevistado, onde ele fala muita coisa legal sobre o modo de ser fazer jornalismo e reportagem:

  

João Carlos Pereira é jornalista do Grupo     Liberal, professor da Universidade da  Amazônia (UNAMA), escritor, cronista e  coordenador da Editora da Unama.    Membro da Academia Paraense de Letras  (APL), ocupa a cadeira de número 39, que  tem como patrono Vilhena Alves (sócio-  fundador da APL em 1900). João Carlos também faz parte do Conselho Estadual de Cultura.

1. O senhor acredita que, como afirma Nilson Lage, “o futuro do jornal parece estar mais ligado à reportagem”?

Sim. A internet vai ser o canal da notícia, junto coma televisão e com o rádio. O meio impresso será o caminho para o debateem profundidade. Lamentoconstatar que as pessoas estejam sendo forçadas a dizer tudo (e nada) em 140 toques.

2. Quais os caminhos para uma boa reportagem? O que o repórter deve considerar no seu processo de apuração?

O jornalista precisa saber exatamente qual o foco da reportagem, quanto mais certo estiver de seu objetivo, maiores serão suas chances de fazer um bom trabalho. Para isso, é preciso ter informações sobre o que vai escrever, ouvir todos os lados envolvidos na questão e, é claro, ter fontes confiáveis.

3. Sabemos que o jornalismo literário revela um universo que geralmente não se mostra nas linhas das notícias do dia-a-dia, e apresenta um ponto de vista pessoal de quem escreve. Como o jornalista deve proceder para não fugir da realidade?

Vamos começar fazendo uma diferença fundamental, sem a qual não se pode avançar nesta prosa: Jornalismo é jornalismo. Literatura é literatura. O jornalista, quando faz literatura, produz ficção. Essa é a primeira condição do texto literário. Quando escreve matérias, faz jornalismo. O fato de escrever com estilo não quer dizer que esteja produzindo literatura. Escrever bem, aliás, é o mínimo que se espera de um jornalista.

Esse novo conceito tem a ver com a subjetividade, que vai atravessar a notícia. O autor usa (alguma vez deixou de usar?), elementos de sua subjetividade para, a partir de um fato, produzir uma matéria.

O risco desse tipo de trabalho é bater à porta da crônica. Mas quem vive sem riscos? O resultado pode ser bom. E às vezes é. Unir jornalismo (com todas as exigências da Redação – tamanho do texto, prazos e etc.) com a liberdade da criação produz ótimos resultados.

4. A modalidade jornalística “hard news”, cada vez mais atrai jornalistas e leitores.  Por que acontece o inverso com o Jornalismo Literário?

Acredito que o jornalismo literário sai do “frio” do texto. O fato e só o fato. Isso é o lead. Isso cansa o leitor. O jornalismo literário talvez não seja o caminho de muitos jornalistas, porque há profissionais da área que estão mais preocupados coma hora de sair da Redação do que com o trabalho. Jornalismo literário é investigação, é profundidade, é trabalho de pesquisa. Tudo isso deve estar aliado a um bom texto. Se não estiver, como se diz popularmente, “já era”.

5. Por carregar traços interpretativos, podemos dizer que o Novo Jornalismo, de certa forma, se opõe aos princípios básicos do jornalismo tradicional, como precisão e objetividade?

O chamado Novo jornalismo tem como base – e não poderia ser diferente – o jornalismo tradicional. Jornalismo sempre foi jornalismo. O princípio básico do jornalismo, seja ele novo, adolescente, maduro ou velho é um só: a informação, a notícia. A “intromissão” do jornalista sempre existiu e sempre existirá. Quem sabe trabalhar a palavra, só conseguirá imparcialidade e objetividade, ao escrever a data em que o jornal circula. Até os números da bolsa podem ser “subjetivos”.

Colocar emoção, a alma, digamos, no texto analítico, é fundamental. Não sei fazer diferente. Nunca soube. Claro que, no Jornal, até anúncio fúnebre a gente tem que saber redigir. Mas que bom, quando o chefe passa uma pauta trabalhosa, com possibilidade de pesquisar! Tipo matéria grande, para uma edição de domingo. Para isso, porém, é preciso que o jornalista tenha apetite profissional. Quem se satisfaz (e se cansa), quando prepara um release de 15 linhas, jamais poderá fazer Jornalismo Literário.

6. Em que medida a internet pode ajudar ou prejudicar uma reportagem?

Basta uma informação manipulada, na Wikipédia, por exemplo, para fazer desandar uma informação.

Temos sempre que considerar a rapidez com que tudo acontece no universo da internet. Também não podemos esquecer que os arquivos, na net, muitas vezes, se abrem com imensa facilidade.

7. Quais os jornalistas brasileiros que o senhor considera referência em Jornalismo Literário?

Penso em alguns nomes: o Laurentino Gomes, com que fiz uma bela amizade, no tempo em que ele morou aqui; o Zuenir Ventura; o Marcos Sá Correa, gente que leva a sério a investigação. Mais recuado no tempo, convém lembrar o nome do Euclides da Cunha.

8. Em 1989, o jornalista Zuenir Ventura escreveu uma série de reportagens sobre a repercussão da morte do seringueiro Chico Mendes, que lhe rendeu o Prêmio ESSO de jornalismo e Vladimir Herzog de reportagem. Por que, em sua maioria, jornalistas do eixo Sul e Sudeste escrevem sobre a Amazônia? O que falta aos jornalistas dessa região?

Tanta coisa… Vou numerar dez pontos:

  1. Falta clareza do que significa ser jornalista. Por aqui, muita gente ainda pensa que ser jornalista é ser assessor de imprensa. falta esquecer um pouco a prática dos “releases”;
  2. Falta apetite pela notícia;
  3. Falta vivência de redação;
  4. Falta humildade. Aqui, mal o aluno entra no curso de comunicação, já se acha jornalista;
  5. Falta convívio com quem começou bem antes e sabe porque viveu;
  6. Falta, nas Redações, gente como Ana Diniz, Claudio Sá Leal, Chembra, Mario Couto, Acyr Castro, Roberto Jares, Rômulo Maiorana, Regina Alves, Helena Cardoso, Ronald Junqueiro, Edwaldo Martins, Eládio Malato. Todos eles tinham muito o que ensinar a quem queria aprender. E ensinavam com prazer;
  7. Falta leitura ao jornalista que começa e, portanto, falta texto;
  8. Falta ao jornalista daqui desejar conhecer a Amazônia. Em geral, todo mundo quer ir embora para o Rio e SP, onda há melhores salários;
  9. Falta saber perguntar.

10. Como o senhor avalia o fato do jornalista Zuenir Ventura ter interferido no julgamento dos acusados da morte de Chico Mendes, ao colocar sob sua responsabilidade a principal testemunha do crime?

Ele agiu como cidadão comprometido com a verdade. Porá sorte do Brasil, Zuenir é jornalista.

11. O senhor conhece o livro “Chico Mendes – Crime e Castigo” do jornalista Zuenir Ventura? Se sim, como o senhor o analisa?

Não conheço, mas deve ser muito bom. Zuenir é exemplo para todos nós.

comentários
  1. Fabio Gomes disse:

    Minha vivência recente tem a ver com a pergunta 8, especificamente “Por que, em sua maioria, jornalistas do eixo Sul e Sudeste escrevem sobre a Amazônia?”. Não tenho como falar por todos, falo por mim.
    Comecei a escrever sobre música da região Norte do Brasil em 2009, após ter feito a cobertura de um festival independente no Acre em 2008. Interessou-me a qualidade da música produzida no Norte, nos mais diversos estilos, em todos os Estados, e a quase nenhuma repercussão disso na mídia nacional. Depois de algum tempo, já em contato com a cena musical de Belém, vários artistas comentavam comigo que nenhum jornalista local fazia um trabalho semelhante ao que desenvolvo no blog Som do Norte; a maioria, diziam, não tinha o costume de acompanhar a cena local.

  2. Anderson Araújo disse:

    Parabéns pela iniciativa, meninas.

    Não sei se há outras referências para o tema jornalismo literário em Belém, mas de qualquer forma a entrevista foi bacana.

    =)

    Abraços

  3. Hélio Granado disse:

    Grande iniciativa a do blog! Muito bom ver o tema do jornalismo literário explorado nos meios digitais, justamente de onde vem um dos principais desafios do já “antigo” new journalismo (restringindo o termo como nome do movimento em si, que já acumula uns 50 anos de estrada.

    É preciso buscar novas formas para o jornalismo literário, buscar a nova cara e os novos métodos desse estilo, com a popularização das mídias digitas.

    Penso que quem irá definir a aparência e a essência desse “new new journalism”, das reportagens com contexto, das histórias da vida real, são os nossos jovens Taleses e Wolfes (ou Hunter Thompsons, os mais desmedidos), que nunca se contentaram em ruminar as notícias do dia anterior e cuspí-las em novos textos e leads no dia seguinte.

    Mas que são jovens que sabem que não vão escrever um livro de 500 páginas e tentar revolucionar o mundo da notícia da mesma forma. As estruturas são outras, o jeito de romper com elas também devem ser.

    Mais uma vez, parabéns pela iniciativa. Mantenham sempre o blog vivo de análises e notícias e histórias, que é o grande barato de se fazer jornalismo literário.

  4. Thaís Braga disse:

    Meninas, parabéns pelo blog. Gostei muito…

    Beijos!

  5. Aline Saavedra disse:

    Concordo com o professor João Carlos Pereira ao falar da grande pessoa e jornalista ( acredito eu que ainda possa ser divulgado mais os seus trabalhos como jornalista), Zuenir Ventura. A entrevista em si tem muito a acrescentar para os futuros e atuais profissionais de comunicação. Jornalismo não combina com comodismo, em se conformar, em acreditar em qualquer coisa. E acredito eu, que o jornalismo literário tem muito a ver com a investigação profunda dos fatos.

  6. Byanka Arruda disse:

    Parabéns, meninas. O blog tá muito bonito e o último post tá bem interessante. Façam mais entrevistas como essa. Podiam, também, resenhar obras do novo jornalismo ou, quem sabe, falar um pouquinho mais desse gênero, que é fascinante.
    Beijos.

    • Ana Carolina Eulálio disse:

      Legal a entrevista com o João Carlos Pereira, ele é muito educado e solicito mesmo.

      Adorei os 9 pontos que ele enumerou na oitava pergunta. Todos verdadeiros e os que resumem tudo são:

      “8. Falta ao jornalista daqui desejar conhecer a Amazônia. Em geral, todo mundo quer ir embora para o Rio e SP, onda há melhores salários;”

      “9. Falta saber perguntar.”

      e o “4. Falta HUMILDADE. Aqui, mal o aluno entra no curso de comunicação, já se acha jornalista;”

  7. wanda Palheta disse:

    Assunto de grande importância para o jornalismo, fica ainda mais interessante quando se entrevista JOÃO CARLOS PEREIRA.

  8. Luciana Alcantara disse:

    Só tenho a agradecer e parabenizar vocês por disponibilizarem esse blog. Pretende ser uma excelente fonte de conhecimento, e autocrítica, para os profissionais de comunicação.

    A discussão é pertinente e de grande relevância.

    Espero ver mais mais postagens como essa por aqui

    Abraços!

  9. Marcos Paulo disse:

    Gostei da entrevista, boas perguntas! Mas oque me chamaou a atenção foia introdução, bem leve e convidadtiva!! Parabéns! Vi também os outros textos, são bons!!

    • Lena Nery disse:

      Meninas, parabéns pela iniciativa. A entrevista com o João Carlos Pereira resultou em uma importante lição para quem está no começo do ofício.

  10. Loredana Leal disse:

    Meninas, Parabéns pela entrevista e pelo blog!

    A entrevista com o João Carlos Pereira foi muito boa e explicativa, principalmente para os novos estudantes de jornalismo, os 9 pontos numerados por ele são fundamentais para ser um excelente jornalista. Pois vejo que há muitos jornalistas novos com nariz em pé que se acham o “tal”, falta humildade e apetite pela noticia.

    Espero que o texto sirva como base para os novos jornalistas que estão em formação!

    Vocês estão no rumo certo!!!

  11. Ciro Sampaio (Ciro Roots) disse:

    Caraca, esse blog ta demais!! Fora o visual, os textos são ótimos!! A entrevista tem uma sacada muito maneira, diferente, é uma boa introdução!! Parabéms meninas (Lorena e Camila) Vibrações positivas p vcs duas!! Fiquem com JAH

  12. cleomenes mota disse:

    falar de jornalismo literário pode parecer incoerente nestes tempos de textos corridos, matérias mal escritas e textos jornalisticos cada vez mais pobres em ideias e linguajar.Tudo bem que o lead seja o general das redações, contudo sempre cabe um pouco mais de cultura e o aprimoramento de um estilo de escrita, que valorize a capacidade do jornalista em enaltecer a lingua mater.Coisa que somente o jornalismo literário resgatará.

  13. Silena Veiga disse:

    Parabéns pela bela iniciativa….. gostei mto do blog, meninas!!

  14. Sue Anne Pinheiro disse:

    Não entendi bem porque o jornalista João Carlos Pereira deu ênfase em separar jornalismo e literatura. Na sua opinião quando o jornalista faz literatura acaba fazendo ficção, porém acho que o jornalismo literário existe sim. É possível misturar as duas áreas, e fazê-lo não significa apenas ter uma escrita rebuscada.
    Entendo o jornalismo literário como um filme baseado em fatos reais. Nesse caso o jornalista quando descreve a história, criando uma narrativa sobre os fatos, estaria fazendo algo muito diferente de uma ficção. Ele não estaria inventando nada, o texto não seria absolutamente subjetivo, mas baseado em situações que realmente aconteceram. Acredito ser esse o caso dos exemplos descritos no texto de introdução do blog, os textos considerados precursores do estilo, A Sangue Frio (Truman Capote) e Os Sertões (Euclides da Cunha).

    • Sue, o João Carlos não desconsiderou a existência do Jornalismo Literário.

      “Vamos começar fazendo uma diferença fundamental, sem a qual não se pode avançar nesta prosa: Jornalismo é jornalismo. Literatura é literatura. O jornalista, quando faz literatura, produz ficção. Essa é a primeira condição do texto literário. Quando escreve matérias, faz jornalismo. O fato de escrever com estilo não quer dizer que esteja produzindo literatura. Escrever bem, aliás, é o mínimo que se espera de um jornalista.”

      Ele apenas fez uma separação entre produção jornalística e texto de ficção, e isso não quer dizer desconsiderar que o texto jornalístico possa se apropriar de elementos literário para facilitar a leitura e seduzir o leitor. Contudo, de uma coisa o jornalismo literário não pode se apropriar, da falta da verdade dos romances.

      “Acredito que o jornalismo literário sai do “frio” do texto. O fato e só o fato. Isso é o lead. Isso cansa o leitor. O jornalismo literário talvez não seja o caminho de muitos jornalistas, porque há profissionais da área que estão mais preocupados coma hora de sair da Redação do que com o trabalho. Jornalismo literário é investigação, é profundidade, é trabalho de pesquisa. Tudo isso deve estar aliado a um bom texto. Se não estiver, como se diz popularmente, “já era”.”

      Achei demais sua descrição de que o jornalismo literário é um filme baseado em fatos reais. Em fatos reais, e por isso é jornalismo e não apenas literatura. Obrigada pelo comentário. Volte sempre! Lorena

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